Ontem fomos à feira. Eu, inspirada pelo Ikea, fui decidida a comprar umas almofadas para o sofá e umas rodinhas para a mesa de cabeceira (na loja de ferragens ao pé da feira).
Somente depois de chegar a casa, pôr as almofadas no sofá, sentar no sofá, aparafusar as rodinhas à mesa de cabeceira, virar o quarto de cangalhas a ver se ficava mais "Ikea", arrumar tudo tudo tudo, tirar roupa do estendal, varrer e ver televisão... somente depois disto tudo, apercebo-me de que não tenho a minha carteira comigo. E conhecendo o meu magnífico cérebro, soube que era bem provável que durante a arrumação a carteira tivesse ficado na caixa de ferramentas, numa gaveta, no frigorífico, no lixo... Revirei tudo. Tudo! E nada. Comecei a pensar no B.I., no cartão multibanco, na carta de condução, nas notas de 20 euros que me lembrava de ver lá dentro e comecei a ficar com um nó na garganta, pois não me cabia na cabeça poder ter deixado a carteira largada num balcão ou numa das tendas da feira.
Liguei para a loja de ferragens, após uns minutos dramáticos de páginas amarelas. Nada da carteira. Só me restava ir até à feira. E depois passar na polícia.
Merda pá, agora vou ao sol da uma, vou ter de procurar lugar para estacionar, vou ter de isto e de aquilo e no fim não há carteira para ninguém! Bem feita por seres desarrumada. Bem feita por andares com a mochila aberta. Bem feita! E de repente lembrei-me
da ladra mijona e do Sr. Avelino que afinal não era Avelino. E ainda com o nó na garganta, comecei a pensar que não. Que eu sou é boa pessoa. Que jamais ficaria com uma carteira encontrada, que jamais roubaria uma notinha, mesmo que encontrasse 500 euros. Jamais. E depois pensei no senhor da loja de ferragens e em como ele embrulhou as rodinhas, e na simpatia do senhor das almofadas. E senti que eu mereço estar rodeada de boas pessoas, honestas como eu e que a minha carteira apareceria.
Cheguei à feira.
"- Escolha, menina.
- Boa tarde, eu vim aqui de manhã, levei duas almofadas quadradas, lembra-se?
- Ah sim.
- Eu perdi a minha carteira!...
- Ah então é sua! "
O meu alívio.
A carteira intacta, o cuidado do senhor ao pedir-me que primeiro descrevesse a carteira, o quase-pedido-de-desculpas por ter mexido nos documentos à procura dum número de telefone, o
Veja se está tudo direitinho e os meus duzentos
muito obrigadas. O nó na garganta que não se desfez porque eu queria mesmo era abraçar o homem e dar-lhe uns beijinhos ou comprar-lhe mais almofadas, mas vim para o carro, e outros três feirantes viram tudo e eu pensei
Vêem que bem? Isto é a lei da atraçom!
A verdade é que eu acredito que tudo o que faço, volta multiplicado. Acredito em coisas a que muitos chamarão Deus. Mas não falo nisso porque quem fala muito nisso com alguém que não está receptivo, passa por muito tolinho e eu já tenho a minha reputação em risco.