25 de fevereiro de 2012

todos os dias

O despertador toca às 4h45. Há dias em que acordo pouco antes dele tocar, há dias em que não acredito que já está na hora, desejo desistir de tudo e a única coisa que parece fazer sentido na minha vida é voltar para a cama. Visto-me em frente ao aquecedor.
Saio de casa entre as 5h10 e as 5h13. Se sair mais tarde posso perder o autocarro, o que significa chegar à loja às 6h02. Normalmente chego às 5h43. Mesmo antes de atravessar a passadeira, dou um toque para o telefone da loja. O William está no escritório a pôr dinheiro nas caixas registadoras, vem de lá de baixo com duas ou três gavetas nas mãos, pousa-as no balcão e vem abrir-me a porta. Todos os dias me dá um sorrisinho, apesar do sono.
Ligo a vitrine quente. Sou a responsável pela comida quente na nossa loja. Faço um chá e vou para baixo. Entro na cozinha, ligo a música, ligo o forno a 190 graus, ligo a enorme panela de água quente onde aquecemos a papa de aveia, as sopas, o puré, o arroz, os caldos. Pego em três tabuleiros de levar ao forno. Tiro do congelador os croissants, os croissants de amêndoa, os croissants de chocolate, os folhados de canela, os folhados de nozes. Ponho-os no forno com cerca de dez baguetes. 19 minutos. Vou vestir o uniforme. Volto a vestir o casaco e o cachecol. Entro no frigorífico e rezo para que os sacos de papa de aveia estejam num dos cestos de cima. Todos os dias verifico o que foi entregue durante a madrugada. Pilhas de cestos de comida, pacotes, caixas. Menos de cinco graus no frigorífico. Onde está a papa. Porridge, porridge, porridge. Levanto e transfiro os cestos de um lado para o outro em busca do saco branco e do saco azul. Tudo é frio e húmido e pesado e eu já tenho músculos visíveis nos braços e nos abdominais graças a esta tortura diária. Todos os dias o meu colega que faz os cafés vai lá a baixo buscar leite e dá de caras comigo dentro do frigorífico. Natachinha, diz ele. Muitos me chamam Natachinha porque é assim que eu falo de mim na terceira pessoa.
Encontro a porra da papa e meto-a na ketle. Posso finalmente tirar o casaco e o cachecol. As minhas mãos cheiram a congelados (peixe). Lavo-as pela já segunda vez. Passo o dia a lavar as mãos. Vou ao escritório onde a lista da entrega já está na impressora à minha espera. Os folhados já estão cozidos. Por essa altura já chegou uma quarta pessoa que os leva para cima. O café abre às 6h30. Eu terei de voltar ao frigorífico, mas antes preparo o acompanhamento para a papa. Às 7h a papa tem de estar acima de 80 graus. Faço as porções. Um saco dá para 8 grandes e 8 pequenas. Há um cliente que todos os dias chega às sete para pegar no seu small plain porridge and a small skinny latte. Reutiliza o saco, e não precisa de colher. Gosto dele.
Todos os dias. De segunda a sexta, todos os dias.

12 de fevereiro de 2012

o escaravelho

Lembro-me de nas profundezas da depressão, um dia olhar para um escaravelho que estava a apanhar sol numa das plantas da minha mãe. Os dias de sol e as coisas bonitas são como ácido para quem está na escuridão da doença, porque multiplicam a dor e a culpa de não se conseguir gozá-los. Senti um sincero desejo de ser aquele escaravelho. De simplesmente existir, de não ter consciência e de apenas apanhar sol, numa folha verde. Depois disse à minha mãe "Algo está muito errado no meu mundo, quando sinto inveja dum escaravelho".
Um dia, para o meu próprio e único bem, perguntei-me por que não. E decidi ser escaravelho.
O que é que era tão importante, tão mais importante que o meu próprio bem-estar, a minha própria saúde, a minha própria vida? Tentei recordar-me de como tudo começou, onde é que eu estava a ir mesmo, antes de cair no poço fundo em que me via. Para me libertar e voar dali para fora, despi-me do pesado e pegajoso cobertor do socialmente correcto. Apercebi-me de que nenhum mal vem ao mundo se eu decidir ignorar todos os padrões pelos quais os outros (e eu própria) me medem e julgam. Simplesmente ser. Porque sim.

9 de fevereiro de 2012

ele estava a ver os simpsons

Soltou uma gargalhada. E depois outra. Estava sozinho na sala e eu estava na cozinha. Ainda não vivíamos juntos. Mas foi nesse dia que eu desejei viver com ele para o resto da minha vida.