31 de julho de 2008

gratidão

Hoje no supermercado escorreguei num iogurte derramado no chão. Pensei no pior.
Estou rodeada de enfermeiros. Contam-me dos acidentes estúpidos que atiraram os seus doentes para camas e cadeiras de rodas para nunca mais se levantarem. Alguns são vegetais. Outros são conscientes e perfeitamente lúcidos, encarcerados em corpos atrofiados. Existe um que para comunicar pisca um olho.
Há dias pedi à Di que me levantasse como faz aos tetraplégicos. Quem nos vir juntas ou souber da nossa diferença de trinta quilos, não acredita na facilidade com que ela o fez, enquanto eu me fazia mole e nada cooperante. É isto que estes enfermeiros são. Pessoas que à primeira vista são só pessoas iguais às outras. Faço-lhes perguntas ingénuas. Não fosse o eu pedir pormenores e eles nem se lembrariam de me dizer que sim, mudam fraldas e dão banhos diariamente, a adultos conscientes. Limpam-lhes os recantos mais humilhantes do corpo. Imagino-me numa cama, despida de roupa, de mobilidade e de independência. Para sempre. Graças a um acidente de viação de que não tenha culpa, a uma queda, a um mergulho no mar, a um iogurte no chão.
Estou rodeada de pessoas da minha idade que se abalaram mais de 500 km para longe de casa, família, amigos e namorados para terem o emprego em que se formaram. São anjos da guarda da dignidade alheia. Admiro-os ao ponto de não arranjar palavras.

Hoje fui pintar com um dos doentes da Di. Há uns meses era um adolescente que desenhava muito bem. Há umas horas pedi-lhe que me apertasse a mão se quisesse que eu lá voltasse. Tenho quase a certeza de que apertou.

Sou tão grata pela vida que tenho. Sou tão grata à mãe deste rapaz por me autorizar a ir lá, me receber com sorrisos e nem hesitar em nos deixar fotografar. E por me fazer ter vergonha de pensar que ter excesso de peso, vertigens e péssima visão no olho direito são limitações físicas.

Obrigada.


29 de julho de 2008

constatação absolutamente estúpida

Não tenho flexibilidade suficiente para chegar ao meio das costas e pôr protector solar, mas para coçar desesperadamente esse preciso sítio, após um valente escaldão, tenho mais que suficiente.

28 de julho de 2008

companhia na praia

Hoje fomos a uma praia que tinha escaravelhos pretos. Azeitonas andantes que deixavam desenhos lindos na areia. Vimos um que se pôs à sombra de uma concha. Tão lindo.
Estive a observar este, que depois de muito andar perto da minha toalha, parou e pôs-se a mexericar na areia. Imaginei logo que estaria a comer, então dei-lhe um pedaço de bolacha do salame de chocolate que levámos para lanchar. Comeu alarvemente. Agarrou-o com as duas patinhas da frente e encheu as bochechas. Ouvi-o a rir. Comeu tanto que perdia o equilíbrio de vez em quando e tombava, sem nunca largar o seu tesouro. No fim limpou a boca e foi dormir uma sesta, debaixo da areia, ao meu ladinho.


mais

A julgar pelo que os meus olhos e câmara têm captado, parece que as rodas dentadas estão, lentamente, a desenferrujar.










26 de julho de 2008

algarve

O Algarve tem azul no céu, branco nas paredes e vermelho na terra. Escaldões na pele, gelados na mão, sal no mar e cactos no chão.










As três da sombra vieram meter-se entre profissionais de saúde. Eles sem farda são anjos na mesma. Têm o poder de curar. A mim pelo menos, sim. Com muito riso e paciência. E carinho.
Descobri que os algarvios não sorriem logo, mas sorriem. Há gelados caseiros de sabores obscenos. Conto regressar ao norte usando o meu diâmetro como meio de transporte.

21 de julho de 2008

volto já

Há uns tempos a internet diagnosticou-me um esgotamento. Até chorei um bocadinho quando reli e vi que a carapuça continuava a servir-me tão bem. O meu cérebro desmaiou. Houve pelo menos uma parte dele que simplesmente desligou.
Eu não me queixo. Ontem, num pranto, disse à minha mãe que devia queixar-me mais, enquanto a Gioconda me lambia o braço (a Gioconda não suporta ver-me a chorar). Eu nunca me queixo. Estatisticamente. E devia queixar-me sim, que é para os outros verem que os felizes também sofrem.
O meu cérebro desligou-se e isso é grave. Sinto-me engolida por um bicho e vejo o mundo e desloco-me, tudo dentro desse bicho. É como se não fosse eu a fazer as coisas. Há uma força maior que me empurra. Mais um desenho. Mais um. Só mais um antes das férias. Sinto-me engolida, lentamente digerida. Não consigo parar de pensar que estou tão cansada... tão cansada. E o meu cérebro, coitado, esta coisa que antigamente mexia e tinha comichão na meninge, hoje de manhã suspirou, só mesmo para me lembrar que não está morto: quando acabei de pôr a roupa a secar vi que tinha feito um degradê de camisolas.
Amarelo.
Verde lima.
Azul claro.
Azul escuro.
Cinzento.

Eu volto já.

18 de julho de 2008

sim, sou neurótica

Sábado. Tenho uma carta pronta para pôr no correio. Mas é Sábado. Digo de rajada e no meu melhor tom desesperado, à Cilu:

- Ai ai achas que se puser esta carta no correio hoje ela vai ser esmagada por todas as cartas de Segunda-feira e por ficar no fundo mesmo no fundo pode mais facilmente perder-se e jamais chegar ao destino???

Ela:

- 'Tás parva? Nem percebo o que queres dizer.

E fomos juntas ao correio.

17 de julho de 2008

quase férias do Verão

Ainda a desenhar. Tento abrandar o ritmo. O cansaço não me larga. As falhas de memória. O calor. O biquini novo que não faz milagres. Em breve farei mais de 600 km rumo ao sul, acompanhada da minha Cilu e do S. Vomidrine*. Graças aos céus...

O desenho é uma proposta de pintura. E sim, para passar a vida a desenhar animais felizes e amorosos é preciso adorar animais. Ainda tenho o touro ensanguentado na cabeça.

um segundo

Contei. Um segundo. Recebi o email da MATP e fui ver o tal anúncio da Vodafone que tem tourada. Um segundo de tourada. Até a mim me passaria ao lado.
São representados inúmeros países através das suas imagens de marca. Imagino que a tourada represente Espanha. No meio da cor, da música e da alegria do protagonista do anúncio, até a mim me pareceu uma coisa alegre, o touro a correr, tão giro.
Mas.
E se o segundo de tourada registado fosse este? Seria mesquinho indignarmo-nos? Também é tourada, também é Espanha, suponho.

Aproveitei para ver a galeria de fotos do Irish Council Against Blood Sports e obviamente acabei a chorar. Sou cliente Vodafone há oito anos. Vou escrever para lá agora mesmo.

16 de julho de 2008

medo

Fomos ao cinema ver este filme. Mencionaram o desaparecimento das abelhas e a citação de Einstein "Se as abelhas desaparecerem da face da terra, restam ao Homem apenas quatro anos de vida. Não há abelhas, não há polinização, não há plantas, não há animais, não há Homem." e eu fiquei simplesmente apavorada com essa e com outras possibilidades que o filme nos apresenta. Para mim é um verdadeiro filme de terror (o meu pai, por exemplo, quase adormeceu de tanto que gostou).

Deixo aqui um documentário (pena estar em inglês e muita pena ser visto por tão pouca gente) sobre o desaparecimento real de milhares de abelhas nos EUA, que acho que toda a gente deveria ver. Tenho pensado muito nas pequenas coisas a que não damos valor.

Quantas pessoas sabem como é que a nossa comida nos vem parar aos pratos?




Foi a minha Lu (sempre um passo à frente!) que me falou disto há uns meses. Obrigada amiga. Manamana.

11 de julho de 2008

projectos atrasados II


Já várias vezes disse aqui que quando criei este blog não imaginava o que aí viria. E de tudo o que ele me tem trazido, o melhor é a surpresa de encontrar pessoas maravilhosas. Pessoas que decidem expor-se também, desinteressadamente. Pessoas que me acarinham com comentários ou emails e a quem me afeiçoo com o passar do tempo. Acabamos por trocar pedacinhos das nossas vidas e a barreira entre o virtual e o real vai-se tornando cada vez mais frágil.
Foi assim com a Conceição. E esta encomenda que ela me fez, em pouco tempo tornou-se pessoal para mim e aqueceu-me o coração.

Esta pinturinha conta a história duma linda bisavó que um dia foi para o céu, deixando cá em baixo dois bisnetos ainda pequeninos e a quem seria difícil consolar a dor da perda. Quando foi dito à bisneta mais velha que a Bisavó morava agora numa estrelinha, ela afirmou que então iria buscá-la numa casa voadora. Esta ideia e o bolo de chocolate foram o mote. E porque no céu só há coisas boas, construímos devagarinho esta pintura, à base de muito mimo, asas de anjo, pirilampos, flores, e até a visita do elemento canino da família. Eu chorei com a Conceição a perda da sua mãe e tive o privilégio de tentar materializar a ternura que ela me descreveu com palavras em cada email. Muito muito obrigada, querida.




9 de julho de 2008

olá!

Uma pinturinha de 60 cm de altura, metade desta, para um menino que está quase a nascer. Adoro estas pinturas que aproveitam pequenos espaços vazios. Melhor ainda é pensar que em pouco tempo este meu duendezinho vai receber muitos beijos e abraços dum menino a sério, da altura dele.


8 de julho de 2008

projectos atrasados I

O regresso do Anjinho, a baloiçar nos meus óculos de sol. Este quadro vai para uma clínica oftalmológica. Super ideia da querida Sandra S.
Obrigada, Sandra!


3 de julho de 2008

inspiração

Só parei depois de ver todos os trabalhos desta artista: Kate Wilson. (via Dooce)
Nem tenho palavras. Adoro tudo.
Trabalhar muito a sério, para além do talento que se tiver, dá frutos. Isso inspira-me e motiva-me profundamente.