24 de julho de 2014

dioguinho

Quase onze meses de vida. Onze mais nove meses duma existência tão pura, tão inocente. Vejo nitidamente porque é que nós, seres humanos, nascemos animais perfeitos e depois nos transformamos em gente. Projecto no meu filho aquilo que li nos livros, nos sites, aquilo que ouvi dizer, que me aconselharam. Tantas expectativas em cima dum serzinho que nem sabe o que é ser outro. Ele é ele próprio e vê o mundo somente (ainda) através da sua própria existência. Quase onze meses e quase seis dentes. Nada do que li ou ouvi me preparou para isto dos dentes, que só é comparável aos primeiros meses com um recém-nascido, em que se desejarmos poder tomar um banho descansadas e ainda lavar os nossos dentes (sem ser no banho) várias vezes por dia estamos a ser ambiciosas. Seis dentes. Ainda não anda. Ainda não gatinha. Ainda não se senta sozinho. Só duplicou o peso com que nasceu com mais de oito meses e começou a segurar bem a cabeça sozinho com cinco. Ainda não dorme a noite toda sozinho. Sempre que me perguntam o que é que ele já faz desta lista, apetece-me engoli-lo e voltar a tê-lo só meu, dentro de mim, onde tudo era perfeito. Ninguém se atreve a perguntar a uma grávida "Então o teu filho já tem pernas e braços? E dedos? E o coração bate?" porque se sabe que tudo vem a seu tempo, porque a natureza é muito maior que os livros e sites e conselhos e sobretudo é maior que os homens, e porque a uma grávida não se deve dizer indelicadezas.
Pois a uma mãe deve-se pensar duas, três, quatro vezes antes de questionar o desenvolvimento, o ritmo ou o que quer que seja do seu filho. Porque o filho nasceu mas continua a ser feito dela, um pedaço que dela saiu e que agora está cá fora a pulsar, vivo e exposto ao mundo, aos outros, aos olhos dos outros que querem, que teimam em moldá-lo.

Não engulo o meu filho. Digo simplesmente que não, ainda não. Tem uma vida inteira pela frente, para se sentar sozinho, andar e correr, cair sozinho. Levantar-se sozinho. Uma vida inteira para comer sozinho e sim, ele há-de largar as minhas mamas e eu hei-de morrer de saudades disso. Poderia dizer, para compensar, que já diz mamã e papa, que entende holandês e português e que faz um sem número de gracinhas que nos derretem. Sabe como nos arrancar uma gargalhada e o que mais me comove é que olha para todas as pessoas com quem se cruza nesta cidade (todas as culturas e raças, todos os feitios e idades, todos os extractos sociais) e demonstra por elas o mesmo interesse. Olha as pessoas nos olhos, profunda e demoradamente com uma tolerância e curiosidade típica de bicho selvagem que nunca foi ferido. Se o olhar e interesse forem retribuidos, sai-se com uma das suas gracinhas infalíveis.
Algures na cronologia do Diogo alguém vai conseguir fazer um comentário bem intencionado ou uma pergunta inocente que não passará pela minha censura e pela minha vontade de o engolir, e há-de ofender, há-de magoar o meu bebé. Um dia ele vai deixar de olhar, confiante de que é perfeito e único, nos olhos de toda a gente que com ele se cruzar. Resta-me fazer tudo o que sei para que esse dia nunca chegue, e continuar muito atenta a tudo o que o meu filho tem para me ensinar.