Estou rodeada de enfermeiros. Contam-me dos acidentes estúpidos que atiraram os seus doentes para camas e cadeiras de rodas para nunca mais se levantarem. Alguns são vegetais. Outros são conscientes e perfeitamente lúcidos, encarcerados em corpos atrofiados. Existe um que para comunicar pisca um olho.
Há dias pedi à Di que me levantasse como faz aos tetraplégicos. Quem nos vir juntas ou souber da nossa diferença de trinta quilos, não acredita na facilidade com que ela o fez, enquanto eu me fazia mole e nada cooperante. É isto que estes enfermeiros são. Pessoas que à primeira vista são só pessoas iguais às outras. Faço-lhes perguntas ingénuas. Não fosse o eu pedir pormenores e eles nem se lembrariam de me dizer que sim, mudam fraldas e dão banhos diariamente, a adultos conscientes. Limpam-lhes os recantos mais humilhantes do corpo. Imagino-me numa cama, despida de roupa, de mobilidade e de independência. Para sempre. Graças a um acidente de viação de que não tenha culpa, a uma queda, a um mergulho no mar, a um iogurte no chão.
Estou rodeada de pessoas da minha idade que se abalaram mais de 500 km para longe de casa, família, amigos e namorados para terem o emprego em que se formaram. São anjos da guarda da dignidade alheia. Admiro-os ao ponto de não arranjar palavras.
Hoje fui pintar com um dos doentes da Di. Há uns meses era um adolescente que desenhava muito bem. Há umas horas pedi-lhe que me apertasse a mão se quisesse que eu lá voltasse. Tenho quase a certeza de que apertou.
Sou tão grata pela vida que tenho. Sou tão grata à mãe deste rapaz por me autorizar a ir lá, me receber com sorrisos e nem hesitar em nos deixar fotografar. E por me fazer ter vergonha de pensar que ter excesso de peso, vertigens e péssima visão no olho direito são limitações físicas.
Obrigada.

