Juro que nem eu estava em cima de uma cadeira, nem a Raquel estava de joelhos.
O impulso que têm de fazer confusão é, na verdade, a Infância. A vivacidade, a alegria contagiante, a cumplicidade que têm entre si... é lógico que a má educação aliada a isto tudo, faz desastres e eu fico fora de mim várias vezes. Mas no fundo, sinto pena deles. Pus em prática até hoje, todas as técnicas que conheço e de que me lembrei para tentar sossegá-los e discipliná-los sem eles levarem a mal. Sei que me adoram, até porque não são muito exigentes, mas também porque eu tento falar a língua que eles falam entre si. Para que frases como "CALEM-SE!!!! Mal-criados!", "Queres que mande um recado para a tua casa?", "Estou com vontade de me ir embora e só fico aqui hoje porque me pagam!" não ficarem a latejar na minha cabeça e no inconsciente deles, esforço-me por recorrer a outra frases, outras técnicas que surtem o mesmo efeito e não nos deixam zangados:
- História de terror. Descrevo uma série de pormenores que alimentam a imaginação e trabalham a visualização e memória. Eles vão trabalhando e eu faço os sumários. No fim faço um concurso para ver quem se lembra dos pormenores todos. "Era uma vez uma lagartixa. Ela chegou a um casarão que tinha uma porta verde de 3 metros de altura e um batente dourado. Alguém sabe o que é um batente? (...) A lagartixa viu uma sombra e pegadas enormes, 20 vezes maiores do que ela, ouviu um som assustador e encostou-se a um canto cheia de medo." Olho para a turma. Tudo em silêncio, no entanto, de boca aberta e olhos esbugalhados, pincel na mão, mas sem pintar. No dia seguinte dizem-me que sonharam com a história mas querem uma pior ainda.
- Conto até 10, de olhos fechados, depois de anunciar que ao abrir os olhos, quem não estiver sentado vai ter o nome no quadro. Devem associar às escondidinhas, adoram.
- A boa e velha chantagem. Minha melhor aliada. "Só vem ao quadro quem estiver sentado com as duas perninhas para a frente, calado e concentrado!" Parecem militares.
- "Quem consegue ficar calado?" Levantam a mão e ficam mudos.
- Aula de pintura. Cada dois meninos tem direito a um prato de plástico - a nossa paleta. Passo pelas mesas com tinta, mas só dou a quem estiver mesmo mesmo calado. Para aumentar o grau de dificuldade, faço-lhes perguntas, às quais respondem instintivamente (pensando que não faz parte do jogo), ficando então sem tinta. É o delírio. "Não respondas! Não digas nada!!!" (Rui para o colega, depois de ter caído na ratoeira ao responder-me como se chamava).
- Ópera. Apanham cada susto. Mas depois também querem cantar. Faço de conta que não fui eu quem começou.