Dizem que quando se tem um filho se descobre um amor maior. Que se ama um filho mais do que se imaginava ser capaz. Eu fiquei à espera disso. No entanto nunca apanhei a tal surpresa.
Veio antes o instinto, uma coisa tão esmagadora que me deixou irracional durante semanas. Incapaz de verbalizar, de escrever, de não chorar. Imaginar que alguma coisa de mal pudesse acontecer ao meu bebé, assim como ouvi-lo chorar por mais de um minuto, causava-me a sensação física e dolorosa de ter engolido um garrafão de ácido e sentir as minhas entranhas corroerem-se. Corroerem-me de dentro para fora. Quando vi o meu corpo deitar leite sempre que o meu filho chorava, ou pensava nele, ou já se tivessem passado três horas, apercebi-me de que sou um animal como os outros animais, sem metáforas. Um mamífero tão munido de instinto como de útero, de mamas, de leite. E que se eu sentia aquela angústia, aquele chamamento incessante e ensurdecedor que na minha opinião pouco tem a ver com amor, então muitas outras mães o sentem, sobretudo as mães chamadas de animais irracionais. Também eu irracional, senti no meu corpo a dor dos animais que exploramos. Passei a gravidez a comer queijo porque como a maioria das pessoas conseguia visualizar uma vaca feliz nos alpes suíços a ser ordenhada manualmente. De repente a indústria do queijo assombrava o meu dia-a-dia e era a história de terror mais cruel e retorcida de todas, porque eu participei dela durante mais de trinta anos com a minha ignorância, o meu corpo, a minha gula e o meu dinheiro. A minha hipocrisia.
Depois chegou o amor. E tal como eu estava à espera, apaixonei-me ainda mais pelo meu bebé, todos os dias mais um bocadinho, e todos os dias são melhores e todos os clichés sobre ter um filho fazem sentido. Amo o meu filho tal como imaginei, fascinada com cada feito, babada de orgulho, desfeita em sorrisos, toda eu colo e mimo e paciência.
O que eu não sabia é que esse amor transbordaria. Que o amor maior que a maternidade trouxe é o meu amor-próprio, para surpresa das surpresas. Que aquele estado de graça em que estive era só o começo e que entraria nesta casa um mestre espiritual de três quilos e meio, pronto para viver comigo vinte e quatro horas por dia e me dar lições a cada minuto. Todos os dias desejo gostar de mim como o Diogo gosta dele mesmo. Todos os dias admiro o entusiasmo e optimismo com que ele vê o mundo. Como se nada de mal pudesse acontecer, numa existência em que se é alegria e tolerância puras, em que se expressa o que se sente simples e honestamente. Todos os dias aspiro a cuidar da minha saúde e a olhar por mim como cuido e olho por ele. Gostava de viver para sempre, para poder continuar esta caminhada com vista privilegiada para o que é um amor que transborda e se espalha em todas as direcções, em que não sei onde acabo eu e começa o meu filho, o meu namorado, a nossa família e todos os que fazem parte da nossa vida.
15 de junho de 2014
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