18 de dezembro de 2012

o colar

Este blog ajuda-me a observar-me. A registar-me e a partilhar-me. Escrevi aqui coisas das quais já nem me lembro. Ficou registado o medo, e espero que nem eu, nem ninguém que tenha acesso ao meu relato do medo, esqueçamos: o medo é talvez a coisa mais perigosa que pode assolar alguém. Deixei-me consumir até ao limite. Nunca me esquecerei do dia em que me sentei em frente ao neurologista e desatei num pranto. Olhei para baixo e vi o colar que tinha escolhido para esse dia, muito colorido, feito de rolhas e trapilho. Fiz o esforço de me pôr bonita no dia em que despejaria para cima de alguém aquilo que de mais feio e assustador me preenchia. Pareceu-me tudo tão irónico. Tive fé de que o médico não se assustaria mas houve um momento em que também ele mostrou horror.

O colar veio comigo para Londres e nunca o usei, em quase dois anos. Hoje lavei-o. 26 de Junho de 2009 é a data que me prende a ele. Para nunca me esquecer. Talvez um dia o deite fora. Lembro-me de conhecer o faneca e ter medo que ele se assustasse um bocadinho quando eu lhe dissesse por que motivo não podia beber muito vinho, o que eram os comprimidos que tomava religiosamente, o que era "não sentir nada". Lembro-me de um dia ele me fazer uma pergunta à qual eu evitei responder e ver nos olhos dele a sensatez de mudar de assunto. Disse a mim mesma  Este rapaz é especial, não é só um holandês que gargalha, come chocolate como eu e adora gatos...
Vim para Londres com menos medo, mas ainda amedrontada. Tinha medo que vários factores despoletassem uma recaída. Vim para cá já desmamada. Tive medo da chuva, do céu cinzento, do primeiro dia em que anoitecesse às quatro e meia da tarde, tive medo de não arranjar emprego, tive medo da língua, tive medo de desenhar, tive medo das prateleiras do supermercado repletas de frascos desconhecidos, tive medo de mim própria. Há dias meti-me no autocarro e quando rumava à Trafalgar Square no meio dum trânsito absurdo, debaixo do céu cinzento, senti-me tão apaixonada por esta cidade. Como me senti em Lisboa na fase euforia-da-medicação. Não é a cidade em si, é o que trago dentro de mim. Vejo a depressão como qualquer outra doença que nos fica alojada e que simplesmente controlamos. Aprendi a viver com ela, com a ameaça da recaída como, imagino eu, um diabético vive com o controlo da alimentação. Há um momento em que se vive tão bem com o que se teve, que o medo desaparece.

2 comentários:

Dulce disse...

eu sei... como sei! Adoro-te, Nat. E durante muito tempo, tu sabes, tive medo que estivesses zangada comigo...

Sofia disse...

de uma depressiva controlada para outra, uma grande beijoca :) E que um ano como 2009 nunca mais se repita. E obrigada por todo o apoio e lanches e cafézinhos ;)